Veríssimo é a riqueza da literatura brasileira

Veríssimo é a riqueza da literatura brasileira

Vamos começar pela trilogia O Tempo e o Vento: Ana Terra é a personagem forte, cheia de honra, da vida pacata nos pampas. Pedro Missioneiro, o índio, o mestiço que veio de “Ninguém”, a terra arrasada das Missões (a região dos Sete Povos das Missões, como ficou conhecida a colonização dos jesuítas no noroeste do Estado nos séculos XVII e XVIII), destruídas pelos portugueses e espanhóis em 1756. O destemido e fanfarrão Capitão Rodrigo Cambará, vencedor de batalhas e persona non grata no povoado de Santa Fé, e por aí vai…

Dividida em O Continente (1949), “O Retrato” (1951) e O Arquipélago (1961), a saga ficcional desenha a história de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, desde os Guaranis que trabalhavam para os jesuítas e essa mistura da cultura jesuítica-guarani –  do chimarrão, a bebida regional dos gaúchos, até os ensinamentos do cultivo da terra – até a formação da elite rio-grandense, suas lutas, a forte identidade em defesa de sua terra e o fim do Estado Novo. Tudo ali, vivo e presente.

Érico poderia ter parado nessa trilogia e já estaria no apogeu dos romancistas nacionais regionalistas, ao lado de títulos como O Quinze (Rachel de Queiroz) eGrande Sertão: Veredas(Guimarães Rosa). Mas ele tinha muito mais para oferecer. 

Olhai os Lírios do Campo narra a trajetória de Eugênio Pontes – um jovem humilde da Porto Alegre dos anos 30, que, com suas aspirações de grandeza, se casa por interesse com Olívia, uma refinada dama da alta sociedade. Da negação às origens, o passado retorna de forma abrupta e violenta, colocando-o em uma desesperadora agonia até que se entrega ao auxílio dos mais necessitados. Toda a catequização se torna envolvente e vai além dos polidos ensejos de devoção. Erico Verissimo esmiúça o psicológico do personagem, seus medos, suas angústias e desejos, seu modo de pensar e a constante emergência em que Eugênio se encontra. O leitor tem cada detalhe descrito na fluidez da trama, resultando em um dos livros mais vendidos e aclamados da história dos romances nacionais.

Como se não bastasse, temos Incidente em Antares. Uma ficção surreal e, ainda assim, tão real que parece até provável imaginar ter ocorrido naquela fatídica sexta-feira, 13 de dezembro de 1963, quando a matriarca Quitéria Campolargo arregala os olhos em sua tumba e, ao invés de enxergar o Criador, vê outros mortos-vivos da cidade de Antares, impedidos de serem enterrados por uma greve geral que até os coveiros aderiram. Reivindicando o direito de serem sepultados, os mortos seguem pelas ruas e casas, enquanto o mau cheiro exalado por seus corpos reflete a podridão moral que ronda a cidade. Uma hilária sátira política que, mesmo lançada em 1971, em plena ditadura militar, não teve receio de abordar temas como tortura, corrupção e mandonismo, até o sangue jorrar.

Veríssimo publicou romances, contos, uma novela, ensaios, uma biografia, duas autobiografias, narrativas de viagens e histórias infantojuvenis. Como tradutor, foi responsável pela tradução de autores como Aldous Huxley e John Steinbeck. Sua familiaridade com a literatura de língua inglesa deve-se muito à sua vivência nos EUA – mudou-se para lá três vezes ao longo da vida, onde ministrou aulas de literatura brasileira na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Veríssimo é, sem dúvidas, uma das grandes riquezas da literatura brasileira.

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Israel em Abril

No último dos quatro livros de viagem que escreveu, publicado em 1969 – os outros foram Gato preto em campo de neve, de 1941, sobre os Estados Unidos, A volta do gato preto, de 1946, também sobre os Estados Unidos, e México, de 1957 -, Erico mantém o procedimento literário dos anteriores e escreve um saboroso diário de bordo enriquecido com entrevistas e informações históricas. O roteiro da viagem, na companhia da esposa Mafalda, inclui visitas a diversas cidades e vilarejos, kibbutzim, personalidades, amigos, universidades e museus. Refletindo constantemente sobre o que vê, Verissimo antecipa uma das questões centrais do semitismo pós-Israel: será que agora o judaísmo deixará de ser uma cultura para virar uma civilização – destinada, como toda civilização, a um período do inverno, da velhice e da morte? Será que uma eventual decadência da civilização do novo Estado sionista […] vai matar a cultura judaica? Erico aposta que não, convencido de que a diáspora judaica nunca deixará de existir.

Ana Terra

Paixão, tragédia e luta marcam a vida de Ana Terra, grande criação de Erico Verissimo e um dos personagens inesquecíveis da literatura brasileira do século XX.

“Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”, costuma dizer Ana Terra, que reside com os pais e os dois irmãos numa estância erma do interior gaúcho, na segunda metade do século XVIII.O cotidiano dos Terras é duro, penoso, arriscado. Tiram sustento da colheita. Calculam a passagem do tempo observando a natureza. Vivem sob o perigo de ataques de índios ou de renegados castelhanos, estes últimos recentemente expulsos do Continente de São Pedro.Ana Terra, única filha mulher, é impedida de comprar um espelho, “coisa do diabo”, objeto fútil nesse ambiente austero. Sem ter onde mirar-se, só pode contemplar sua figura na superfície do regato onde lava a roupa da família. É nesse regato que ela depara com Pedro Missioneiro, ferido à bala. Mestiço de índio nascido numa missão jesuítica, Pedro lutara ao lado dos estancieiros pela expulsão dos castelhanos. Após restabelecer a saúde, pouco a pouco vence a desconfiança dos Terras e a repulsa de Ana, para quem sua “presença era tão desagradável como a de uma cobra”. Sem perceber, a moça enamora-se de Pedro, uma atração trágica e irresistível que muda a vida da família Terra para sempre.

O Prisioneiro

Envolvido numa guerra fratricida em terra estrangeira, um tenente prestes a voltar a seu país presencia uma cena dramática: uma bomba destrói o bordel onde ele estava poucos momentos antes e mata a moça por quem se apaixonara. Um dos terroristas, capturado logo depois pelas forças aliadas, é um jovem de apenas dezenove anos cujas feições o remetem à amante morta. O coronel encarrega o oficial de interrogar o prisioneiro e descobrir o paradeiro de uma segunda bomba. Não há tempo a perder. O tenente tem duas horas para obter a verdade. Escrito em 1967, o romance se inspira nos eventos da Guerra do Vietnã. Erico Verissimo descreveu-o como “fábula moderna sobre vários aspectos da estupidez humana”, entre os quais a guerra e o racismo. O tenente negro sofre preconceito em sua terra natal. Reluta se deve ceder à engrenagem – a mesma que tirou a vida de seu pai. A vida e a dignidade de um homem valem menos do que a vida das muitas pessoas que o tenente poderia salvar? Os fins justificam os meios?Romance de conteúdo antibelicista com profunda repercussão moral, O prisioneiro suscita questões urgentes ainda em nossos dias. Este e-book não contém as imagens presentes na edição impressa.

Carlos Galego

Carlos Galego é assessor de comunicação da Tocalivros, com larga experiência no mercado cultural e de entretenimento. É autor de dois livros e escolhido entre os 20 principais poetas nacionais em 2021 pelo Poetize. Editor de trabalhos como Ruídos Urbanos (de Ricardo Martins), Poesia de Mim (de Vanessa Lima), Vou Ali e já volto! (de Gerson Danelon) e Frases da vida (de Alma Impressa). Se dedica também a artes visuais, e ministra aulas e cursos de comunicação para setor privado, e oficinas de comunicação cultural em Secretarias de Cultura municipais 

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