A Cartola Editorial lançou em 2022 contos selecionados do autor Algernon Blackwood sobre o título “Blackwood: Contos do Oculto, do Horror e do Sobrenatural”, inaugurando (finalmente!) diversos contos do autor no Brasil. Com uma introdução sobre o cronista feita pela curadora e tradutora F.T. Rossi, incluindo notas que acompanham os textos, ficamos cientes do cerne que emolduram o enredo das histórias com a vida do escritor – tudo um pouco do que acreditava, e tudo um pouco do que viveu, fizeram parte da composição narrativa.
“Um homem que passava noites em casas mal assombradas”, escreve Rossi. “um contador de histórias cercado por olhares atentos diante do fogo, um adorador da natureza, um pesquisador curioso de fenômenos inexplicáveis, um frequentador de sociedades secretas, um homem solitário em seu íntimo, mas possuidor de devotas amizades, um homem que viveu em uma ilha deserta, que viajou o mundo, que teve a companhia de princesas e poetas, que morou na rua. O último dos verdadeiros cavalheiros ingleses, um homem que preferia a vista das estrelas – este foi Algernon Blackwood.”
Blackwood é o tipo de escritor cuja vida inspirou a própria obra. Com uma vida aventuresca, seus contos sofrem com quase ou nenhuma tradução aqui no Brasil. Nisso, seu legado não tem a mesma recepção que Lovecraft, escritor grandemente influenciado e hoje com esparsas traduções. A Cartola Editorial se colocou numa missão (financiado por leitores) de criar dois volumes da obra do escritor, um dedicado totalmente a seu personagem investigador do paranormal, John Silence (conhecido como “Sherlock Holmes do sobrenatural”) e outro com onze contos, de variados temas do estranho – forças místicas; a natureza como força dominadora; criaturas folclóricas; a casa mal-assombrada e fantasmas; e até um espião. No ano seguinte à publicação da Cartola, a Tocalivros lançou o audiolivro, com sete vozes que dão vida às onze narrativas.
Algernon Blackwood foi um homem com uma vida curiosa: desiludido com a religião, estudou filosofia teosófica, fazendo parte de uma sociedade de ciências ocultas. Além disso, seu contato com a Natureza era muito íntimo; veja que suas narrativas mais famosas abordam esta Força que vai gradativamente tomando espaço – como em “Os Salgueiros” e “O Wendigo” (neste, trabalha com a famosa criatura do folclore indígena norte americano). De acordo com Rossi, “Seus contos são altamente autobiográficos e para conhecê-lo, é necessário analisar suas obras, pois ali estão não apenas detalhes de sua vida, mas de sua alma.”
Blackwood direciona o olhar do leitor sobre o torpor do horror. Acompanhamos personagens lúcidos, que não irão sucumbir à loucura, mas irão enfrentar sua situação com grande espanto e terror. São personagens sãos, que carregam certa credulidade dos fatos – e isso os levam a averiguar a situação antes de entenderem como algo de outro plano. Ora, veja quando Défago é finalmente encontrado na floresta, e seus colegas demoram a reconhecer que aquele não é seu amigo, mas a própria criatura do Wendigo; ou quando os salgueiros começam a criar regras próprias sobre as leis naturais.
“A Casa Vazia” inaugura a coletânea, na qual dois personagens, Shorthouse e sua tia, resolvem se aventurar em uma casa assombrada, e desde o momento em que adentram o lugar, coisas estranhas – como vozes e sons que não são seus – passam a acontecer. Essa é uma das histórias baseada em um dos relatos das investigações paranormais do autor.
É seguido pela aparição de um fantasma materializado em “Para Cumprir Sua Promessa”. O jovem estudante Marriott é abordado em seu quarto no meio de uma noite chuvosa por um antigo amigo. Esfomeado e cansado, esse amigo acaba se mostrando uma misteriosa e assustadora aparição.
Em “O Ouvinte”, os dias do personagem são afetados por uma presença rastejante em sua casa alugada durante vários dias. O personagem, a princípio, reage com resignação à inexplicada situação. Seu temor é crescente diante daquela presença assombrosa, até ouvir a verdadeira história que circunda aquele local.
Além dos textos citados, temos a presença do místico em “Smith – um incidente em uma pensão”, relato real de uma experiência ritualística de um colega; no conto “A Estranha morte de Morton”, temos a presença de um clássico vampiro; e “Cúmplice Antes do Fato”, há a construção de um conto inspirado na época em que Blackwood serviu como um agente secreto na Primeira Guerra Mundial.
Blackwood, de fato, tem o potencial de alcançar diversos leitores. É uma indicação que deixo não somente aos fãs da temática ou aos leitores dos herdeiros literários de Algernon, mas àqueles que querem introduzir-se no gênero ou que apreciam uma boa leitura. Blackwood tem um poder na escrita, atribuindo-a uma sensação quase sinestésica a cada ocorrência sobrenatural. As vivências do autor, sua capacidade descritiva do sobrenatural e seu potencial narrativo são méritos da sua grande habilidade. Como Rossi comenta, “mesmo para não fãs do weird, ele é extremamente competente no que faz”.
Ouça o audiolivro completo agora!
Repleto de histórias que cativaram legiões de amantes do terror pelo mundo, o livro conta com diversas narrativas inéditas no Brasil, trazendo contos de peso como “”A casa vazia”” e “”O ouvinte”” que envolvem visões perturbadoras de noites frias e o conhecimento de que, apesar de não se ver mais ninguém no quarto, não se está sozinho.
As duas obras-primas do autor: “”Os salgueiros”” e “”O Wendigo”” (o primeiro, considerado por H. P. Lovecraft como um dos melhores contos de horror sobrenatural já escritos), farão a pele do leitor se arrepiar diante do poder destrutivo da natureza.
O livro conta também com outras histórias apavorantes como “”Smith: um incidente em uma pensão””, “”O encanto da neve””, “”Para cumprir sua promessa”” e “”A estranha morte de Morton””. E para fechar, contos que causam estranhamento, que mexem com a percepção humana: “”Cúmplice antes do fato””, “”Luzes primitivas”” e “”A outra ala””.
Ao todo são onze contos sombrios, estranhos e fantásticos; histórias de fantasmas, de entidades poderosas, de vampiros, de seres da floresta, e de forças das quais nem se imagina que podem estar à espreita.
Tainara Severo é graduada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em Letras Português-Francês. Finalizou seu curso com a pesquisa em tradução do conto de horror “La Remplaçante” de Ketty Steward. Acredita que fazer parte da equipe da pré-produção da Tocalivros e a partilha diária de discussões com seus colegas é um incentivo à leitura constante.