Machado é assim… um infinito de referências

Machado é assim… um infinito de referências

Chega um e-mail com o pedido: escrever sobre Machado de Assis. Entre o agradecimento e o aceite, a minha garganta seca. Machado de Assis é uma das referências de minha própria história e, muitas vezes, o fiz de espelho em minha trajetória e carreira de jornalista, escritor e poeta.

Mas, antes das gargalhadas, pondere e entenda as palavras deste reles que aqui escreve: o fiz de referência. E tê-lo desta forma não é nenhuma presunção. Machado é uma referência nacional, tanto na literatura, como no jornalismo, nas relações e posicionamentos políticos e sociais. Um homem hábil não só com as palavras, mas que foi além das fronteiras literárias.

Expoente da literatura brasileira, o filho do negro alforriado e pintor Francisco José de Assis e a imigrante portuguesa Maria Leopoldina, Machado foi jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo. Carioca do bairro do Livramento, nasceu dia 21 de junho de 1839 e faleceu em 29 de setembro de 1908 também no Rio de Janeiro.


De uma família pobre, se virou como pôde para estudar: participava de aulas na escola em que sua madrasta trabalhava como doceira. À noite, aprendia francês com o forneiro da padaria do bairro. E lia tudo que podia. Autodidata por condição, foi um homem de imensa formação intelectual, e com conhecimento em diversos idiomas, como francês, latim, espanhol, inglês e referências acima da média de sua geração.

Com 15 anos começou a trabalhar como tipógrafo com Francisco de Paula  Brito, dono da livraria, do jornal Marmota Fluminense e da tipografia. O jornal era o periódico com espaço para jovens poetas e escritores iniciantes (e onde Assis se inicia na poesia). Em 1855 seu primeiro poema “Ela” é publicado no jornal. O garoto não parou mais de escrever.

Aqui, lembro de seus livros que eu já li: “A Mão e a Luva”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, “O Alienista”, “Esaú e Jacó”, diversos contos, crônicas e poemas. Penso comigo: agora, sim, estou pronto para falar deste mestre das palavras. Ledo engano. Minha memória lembra que Machado de Assis escreveu ao menos 10 romances, 10 peças teatrais, mais de 200 contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos e mais de 600 crônicas, além de críticas literárias e teatrais, traduções de livros e outros diversos textos, e mesmo assim posso estar me equivocando, para menos, a quantidade por ele produzida.

Desde seus primeiros textos, já apresentava a natureza lexical da língua portuguesa. Frequentador do Gabinete Português de Leitura, que existia à época, o imortal absorveu e estudou a linguagem clássica da produção literária portuguesa, com o uso correto da linguagem e seus recursos linguísticos. 

De seu fascínio com a linguagem, Machado provou que era possível unir a forma normativa aos tempos atuais. Passando por diversos gêneros literários – do romantismo ao realismo-, suas obras trazem elementos à linguagem coloquial com o uso da linguagem espontânea de seu tempo – e misturando frases, substantivos, adjetivos e verbetes com outros idiomas, trazendo verbos corriqueiros em sua escrita, Machado de Assis inovou e propagou a linguagem para todo o país.

Em toda sua obra, é possível perceber frases, expressões e palavras com estrangeirismos, principalmente da França, Inglaterra e Espanha – que dão sentido aos aspectos da cultura brasileira. Sua habilidade de escrever foi amplamente reconhecida, e muitos desses seus artifícios de linguagem passaram a ser incorporados como palavras aportuguesadas de nossa literatura – além de verbos, adjetivos e substantivos em português que marcaram suas narrativas. Por seu uso de narrativa literária, é um dos mais conceituados, por fazer isso sem interromper com a força do idioma.

Hoje, muitos destes verbetes, construções e expressões são utilizados em nosso cotidiano graças às obras de Machado de Assis. Seu universo linguístico é único, com vasto vocabulário, chamado de Linguagem Machadiana.

Lembrando disso tudo, enchi o peito! Agora está completo. Ri alto de mim mesmo.

Machado é um texto sem fim, um infinito de possibilidades. Esteve presente em todos os movimentos literários de sua época, atuou nos principais veículos impressos e ocupou cargos públicos jamais imaginados para sua posição social de nascimento.

Participou da criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde foi o primeiro presidente. Precursor do realismo brasileiro, foi além e introduziu o realismo psicológico, dialogando com o leitor em muitas narrativas. Presenciou acontecimentos históricos, como a abolição da escravidão e a passagem do Brasil Império para o Brasil República.

Grande referência como cronista de sua época, foi um observador e crítico de seu tempo, e mesmo assim foi nomeado pelo império cavaleiro e, depois, oficial da Ordem da Rosa.

Respirei, olhando a imagem de Machado de Assis em um livro, e vi nele a nossa história. Dei risada das ironias de seus textos e me senti envolvido em reflexões profundas que ele nos traz – e senti orgulho de minha referência. Machado abre meus sonhos e me coloca com os pés no chão – para eu seguir no infinito de seu universo.

Leia e escute as obras de Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”

Uma das maiores obras de Machado de Assis e uma das mais importantes da Língua Portuguesa. A publicação desse romance é considerada o marco inicial do Realismo no Brasil, e seu autor, por consequência, é reconhecido como o pai de tal movimento em terras brasileiras.

Este lançamento marca os 10 anos da Tocalivros e conta com uma trilha sonora exclusiva e original composta por Juscelino Filho para enriquecer ainda mais a experiência do ouvinte. Além de contar com vários narradores, selecionados especialmente para narrar essa obra.

O Alienista

Em “O Alienista”, obra-prima de Machado de Assis, somos convidados a acompanhar a trajetória de Simão Bacamarte, um médico dedicado a explorar os limites da mente humana. Com sua paixão pela psiquiatria, ele transforma a pequena cidade de Itaguaí ao criar a Casa Verde, um manicômio destinado a acolher os “loucos” da região. Assis, com seu estilo literário inconfundível, aborda questões de sanidade e loucura, poder e submissão, com um humor fino e uma narrativa envolvente que captura o leitor do início ao fim.

Dom Casmurro

Poucos romances examinam com tanta sutileza as artimanhas do ciúme como Dom Casmurro. Publicado em 1899, o livro permanece ainda hoje como um dos mais fascinantes estudos da traição. Aliás, como o leitor mais atento perceberá, são supostamente duas: a de Capitu, exposta pelo marido Bentinho, e a própria narrativa sobre como Bentinho modifica os fatos para corroborar suas suspeitas matrimoniais.

Tudo isso é narrado com graça e inteligência num romance que jamais parece esgotar suas possibilidades de leitura. Críticos como Roberto Schwarz e Susan Sontag consideram a obra de Machado como um dos momentos mais altos da prosa ocidental do final do século XIX.

A Mão e a Luva

Segundo romance escrito por Machado de Assis, publicado em 1874, embora não tenha toda grandiosidade das obras mais famosas, merece posição de grande destaque. A história se desenrola de maneira agradável, interessante e até cômica. A crítica à sociedade e seus interesses, ainda mais fortes à época do que hoje, dão a tônica deste livro. 

Apesar de a obra ser enquadrada na fase “romântica” do autor, em vez dos recursos clássicos do Romantismo – enredos rocambolescos, plenos de coincidências, reviravoltas, surpresas e suspenses – Machado prefere um texto contido, minimalista em termos de trama, de análise psicológica, e com uma elegância estilística que foi se aperfeiçoando até atingir seus píncaros na chamada “fase realista”. 

Apenas nas últimas linhas deslinda-se o título, escolhido de forma rigorosa pelo autor e que sintetiza o intuito da obra.

Crônicas escolhidas

Clássico fundamental da literatura brasileira, Machado de Assis possui uma faceta que continua pouco explorada por leitores e críticos: a de prolífico cronista de jornais e revistas. Quase sempre sob pseudônimo, como era costume na época, o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas escreveu centenas de crônicas para diversos veículos da imprensa do Rio de Janeiro entre 1859 e 1900, e dessa atividade obteve parcela importante de sua renda, mesmo após se tornar um escritor consagrado. 

Por meio da leitura da vida cotidiana na antiga capital do país, além das notícias da política nacional e internacional – inclusive a Abolição, a Proclamação da República e a Guerra de Canudos -, o escritor também exercitava a prosa genial com que compôs seus textos ficcionais. 

Para este livro, o crítico e professor de literatura John Gledson consultou os arquivos da imprensa carioca no século XIX para selecionar cinquenta textos com o melhor da produção jornalística de Machado. Centrada no período da maturidade do escritor carioca, a seleção de Gledson – que também assina a introdução do volume e os comentários – proporciona uma ótima introdução ao Machado cronista, permitindo cotejá-lo com o criador dos grandes contos e romances.

Carlos Galego

Carlos Galego é assessor de comunicação da Tocalivros, com larga experiência no mercado cultural e de entretenimento. É autor de dois livros e escolhido entre os 20 principais poetas nacionais em 2021 pelo Poetize. Editor de trabalhos como Ruídos Urbanos (de Ricardo Martins), Poesia de Mim (de Vanessa Lima), Vou Ali e já volto! (de Gerson Danelon) e Frases da vida (de Alma Impressa). Se dedica também a artes visuais, e ministra aulas e cursos de comunicação para setor privado, e oficinas de comunicação cultural em Secretarias de Cultura municipais 

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