Adélia Prado. Sempre pronta para nos transformar

Adélia Prado. Sempre pronta para nos transformar

Adélia Prado é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética. Herdeira de Carlos Drummond de Andrade, o autor que a deu a conhecer e que sobre ela escreveu as conhecidas palavras “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo…Adélia Prado é, há longos anos, uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”. 

A frase acima reflete, em resumo, as palavras e motivos que, em julho, levaram Adélia Prado a receber o Prêmio Camões, uma das premiações mais significativas da literatura portuguesa. No mesmo mês os aplausos chegaram pelo Prêmio Machado de Assis, outra honraria que permeia universos relevantes do meio literário.

Já aqui, eu procuro palavras para falar desta mineira. Poeta, ensaísta, pensadora. A escritora que, mesmo sem precisar de bajules, desde seu primeiro livro, “Bagagem” (1976), de tão consistente em forma e conteúdo, recebeu elogios de Drummond de Andrade à época. E eu ainda procurando palavras para citá-la….

Abro o “Poesia Reunida”, presente que ganhei em 2015, e que reúne 544 páginas do que na época, comemorava as quatro décadas de produção da autora – hoje, ela nos brinda com mais uma casa decimal e, aos 89 anos, nos presenteia com meio século de sua vida dedicada à poesia. Volto-me ao livro. Procuro nas páginas o início de tudo e chego no “Bagagem”, depois em “Coração Disparado” (1978),  que levou o Prêmio Jabuti de Literatura pela Câmara Brasileira do Livro, para reler o antológico e despudorado “Objeto de amor”:

De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdoo, eu amo.

Sigo com Adélia, que nos dois anos seguintes, dedicou-se à prosa, com “Solte os Cachorros” em 1979 e “Cacos para um Vitral” em 1980. Volta à poesia em 1981, com “Terra de Santa Cruz”, um novo romances em 1984 “Os componentes da banda”, e mais poesia em 1987 com “O pelicano” e “A faca no peito” (1988), o romance “O homem da mão seca” (1994) e quatro anos depois “Oráculos de maio” (poesia) e “Manuscritos de Felipa” (romance), “Filandras” (2001, contos), a novela “Quero minha mãe” (2005), “Quando eu era pequena” (2006), livro de literatura infantil, “A duração do dia” (2010) — poesia, “Carmela vai à escola” (2011) — literatura infantil, e “Miserere” (2013) — poesia.

A carreira literária de Prado teve início de maneira inesperada. Aos 40 anos, enviou seus poemas para o poeta e crítico Affonso Romano de Sant’Anna, que, impressionado com o seu talento, levou seu trabalho até o escritor Carlos Drummond de Andrade, responsável por sua introdução ao universo literário brasileiro, promovendo sua estreia na literatura. 

Antes disso, a poeta chegou a trabalhar como professora antes de se dedicar à escrita. Licenciada em Filosofia, lecionou por anos em escolas públicas de sua cidade natal, experiência que influenciou sua visão sobre a simplicidade e a beleza do cotidiano, aspectos que permeiam toda a sua obra. 

Sua fé católica permeia grande parte de sua obra e aparece em diversos momentos de suas narrativas e poesia, mas não se apresenta de forma dogmática, mas explorada como uma experiência pessoal, muitas vezes colocado lado a lado com dilemas existenciais e reflexões sobre a vida e a morte, conectando o sublime ao terreno.

Desde quando se firmou na cena poética brasileira contemporânea com seu primeiro livro, nos brinda com religiosidade, erotismo e cenas do cotidiano – tão presentes em toda a sua obra. Evidenciando um lirismo aparentemente marcado pela simplicidade. 

Sabe como ninguém retratar a alma e os sentimentos femininos em poemas, contos e romances. Verbaliza em sua obra a perplexidade e o encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico – características de seu estilo único. Usa o mais comum do cotidiano para recriar a vida do interior mineiro.

Uma combinação interessante do cotidiano de uma cidade pequena a reflexões que tocam a espiritualidade, o amor e até o sentido da vida. 

Sem discursos complicados. Linguagem simples para tratar de temas profundos. Adélia estará sempre pronta. Transformando o banal em algo quase mágico.
Sempre pronta para nos transformar.

Carlos Galego

Carlos Galego é assessor de comunicação da Tocalivros, com larga experiência no mercado cultural e de entretenimento. É autor de dois livros e escolhido entre os 20 principais poetas nacionais em 2021 pelo Poetize. Editor de trabalhos como Ruídos Urbanos (de Ricardo Martins), Poesia de Mim (de Vanessa Lima), Vou Ali e já volto! (de Gerson Danelon) e Frases da vida (de Alma Impressa). Se dedica também a artes visuais, e ministra aulas e cursos de comunicação para setor privado, e oficinas de comunicação cultural em Secretarias de Cultura municipais 

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