Neste dia 23 de agosto, o vento parece sussurrar histórias antigas e controversas, como aquelas que Nelson Rodrigues sabia contar tão bem. Nasceu em Recife, em 1912, foi no Rio de Janeiro, para onde se mudou ainda menino, que começou a traçar suas linhas. Aos 13 anos, ainda sem saber muito da vida, já estava no jornal “A Manhã”, de seu pai, iniciando uma carreira que mudaria para sempre o teatro e a literatura brasileira.
Nelson viveu tragédias que parecem saídas de suas próprias peças. A perda do irmão Roberto, assassinado enquanto cobria um crime passional, foi um desses episódios que moldam a alma e a obra de qualquer homem. Aos 17 anos, a vida o golpeava forte, e ele respondia com palavras afiadas e profundas, um olhar crítico que nunca o abandonaria. Casou-se com Elza Bretanha em 1940, com quem teve cinco filhos. Em 1961 sofreu com a morte de seu filho Paulo César, de 11 anos, vítima de leucemia.
Suas relações familiares e os episódios de sua vida proporcionaram material para sua constante exploração da complexidade humana.“Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava.”
Na redação de jornais como “O Globo”, “Correio da Manhã” e “Última Hora”, ele era mais do que um jornalista: era cronista esportivo, repórter policial e, especialmente, um observador ácido dos costumes da classe média. Sob o pseudônimo de “Suzana Flag”, escreveu colunas que arrancavam risadas e suspiros, revelando as hipocrisias escondidas nos lares brasileiros. “Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe.” Torcedor fanático do Fluminense, no jornalismo esportivo, cunhou expressões como “o Sobrenatural de Almeida” e “a alma do negócio” – e que se tornaram populares no vocabulário brasileiro.
Foi no teatro, porém, que deixou sua marca mais profunda. “A Mulher Sem Pecado”, sua primeira peça, surgiu em 1941, e “Vestido de Noiva” (1943) o elevou ao panteão dos grandes. Dirigida por Ziembinski, a peça revolucionou o teatro nacional com sua estrutura inovadora e personagens de profundidade psicológica rara.
Ao longo dos anos, escreveu 17 peças, como “Anjo Negro”, “Senhora dos Afogados”, “Álbum de Família”, “Bonitinha, mas Ordinária”. Adultério, incesto e corrupção se misturando à moralidade da classe média, pintando um retrato cru e verdadeiro do Brasil.
Escritor inquieto, não se limitou ao teatro. Com romances e contos impactantes, “Meu Destino é Pecar”, escrito sob o pseudônimo Suzana Flag, foi um sucesso imediato. Quem leu “A Vida Como Ela É” conhece sua habilidade em retratar o cotidiano com realismo brutal e poético.
No cinema, foi roteirista, colaborando em adaptações de suas próprias obras para a tela grande. Um dos filmes mais conhecidos baseados em seu trabalho é “O Beijo no Asfalto” (1981), dirigido por Bruno Barreto. Escrita em 1960, tornou-se uma das mais icônicas de sua carreira. “Toda Nudez Será Castigada” (1973), dirigida por Arnaldo Jabor, foi digna de um Urso de Prata no Festival de Berlim – e que ajudou a popularizar ainda mais suas histórias.
Dedicar um dia a Nelson Rodrigues é revisitar temas tabus, realismo cru, dilemas morais, além das contradições da sociedade brasileira. Revela o lado sombrio de todos nós, com diálogos diretos e chocantes e uma visão desiludida, mas profundamente humana, do mundo. “O dinheiro compra até o amor verdadeiro.” Está em toda parte.
Faleceu em 21 de dezembro de 1980, mas deixou um espelho nu e constrangedor de nossas próprias faces. Continua vivo.
Carlos Galego é assessor de comunicação da Tocalivros, com larga experiência no mercado cultural e de entretenimento.
É autor de dois livros e escolhido entre os 20 principais poetas nacionais em 2021 pelo Poetize.
Editor de trabalhos como Ruídos Urbanos (de Ricardo Martins), Poesia de Mim (de Vanessa Lima), Vou Ali e já volto! (de Gerson Danelon) e Frases da vida (de Alma Impressa).
Se dedica também a artes visuais, e ministra aulas e cursos de comunicação para setor privado, e oficinas de comunicação cultural em Secretarias de Cultura municipais