Entre Austen e Swift: do fogo aceso por Elizabeth Bennet às chamas da mulher contemporânea

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Entre Austen e Swift: do fogo aceso por Elizabeth Bennet às chamas da mulher contemporânea

Eis que chegamos ao fim de uma era: o Agosto mais veloz da última década — ou foi só impressão minha? Falando em eras, neste mês descobrimos o nome da nova era de Taylor Swift, a cantora pop mais comentada da atualidade, com o álbum The Life of a Showgirl, previsto para 3 de outubro, e ainda vibramos com seu noivado com o jogador de futebol americano Travis Kelce. Vamos ser honestos: impossível não ter tomado ciência desses quase marcos históricos, seja você fã, hater ou desligado.

Enfim, como todo fim anuncia um começo, também nos despedimos do inverno já de olhos voltados para a primavera — suas cores, possibilidades e romances. Seus recomeços. É nesse clima que escrevo pela primeira vez neste espaço, e assim faço minha estreia comentando sobre Orgulho e Preconceito (1813), o novo lançamento em audiolivro do selo Tocalivros Clássicos, e minha conexão pessoal, agora mais forte do que nunca, com a obra em questão.

Sou autora aspirante e por hobby, Jane Austen é autora consagrada e por profissão. Em pleno século XIX, ela quebrou barreiras e interrompeu respirações ao ousar escrever sobre mulheres de personalidade — e aqui “forte” seria pleonasmo —, que desafiavam os costumes com mentes sagazes e línguas afiadas. Mulheres que não precisaram se rebaixar ou recorrer a artimanhas mesquinhas ou vulgares para contestar a sociedade da época, mas que ainda assim causaram alvoroço nas rodas de conversa, choque nos tradicionalistas e inspiração nas inconformadas.

Eis que em Orgulho e Preconceito, sua obra mais célebre, encontramos talvez o casal pioneiro do que hoje chamamos de enemies to lovers: Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy. Não é preciso ser amante da Literatura para conhecer esses nomes. Vou além: assim como todos sabem do recente noivado de Taylor Swift, ninguém em sã consciência pode alegar ignorar quem seja o Sr. Darcy, mesmo que Fitzwilliam possa soar como novidade.

Imagino o que Austen diria, quase dois séculos atrás, sobre seu protagonista masculino ser lembrado com mais fulgor que sua heroína — e, muitas vezes, pelos motivos errados. Graças à força das palavras, à velocidade da internet e à perpetuação de trechos fora de contexto, Darcy ficou cristalizado como o homem apaixonado perfeito. Afinal, quem não suspira ao ler: “Em vão tenho lutado contra meus sentimentos. Nada consegui. Preciso dizer-lhe que a admiro e a amo ardentemente”? Baita declaração, né? E ainda foi a primeira!

Pois é. Mas a questão é: quanto valem palavras tão inflamadas após insultos tão diretos? Darcy, no auge de sua soberba, recusou-se a dançar com Elizabeth porque a considerava inferior — pobre, indigna de atenção. Que valor tem um “eu te amo” depois disso? Elizabeth, com a altivez de uma mulher moderna, recusou o pedido de casamento e desmontou a vaidade masculina com clareza devastadora.

O enredo segue — não me alongo em spoilers — e temos, por fim, a redenção de Darcy. O romance é coroado por um final feliz, sim, mas não sem antes Elizabeth impor sua voz, ser ouvida e transformar aquele que a desdenhara. Austen construiu, então, uma heroína vanguardista: não uma donzela que espera, mas uma mulher que escolhe. Um final feliz em sua dualidade: amor e presença.

Eu, aqui, fico perguntando e quero mesmo é te fazer pensar comigo: como seriam descritos Elizabeth e Darcy hoje? Seria crível um homem se redimir apenas por palavras incandescentes?

Deixando claro que esta que se segue é minha opinião, digo: se alguém nos ofende de forma tão primal, tão infantil, não bastará um discurso inflamado para se redimir. Segundas chances existem, mas exigem provas, constância e caráter. Mudanças e não promessas ou intenções. Um Darcy moderno teria de mostrar-se digno e presente — não apenas dizer-se apaixonado.

Em um mundo veloz e conectado, a arrogância inicial de Darcy talvez tivesse lhe custado tudo. Primeiro, porque opções, pretendentes, são o que não faltam e barreiras territoriais são superadas em poucas horas; daí ele poderia ser esquecido em um estalar de dedos. Segundo, ou talvez esse fosse o primeiro passo?, porque bastaria um clique — e voilá, contato deletado. Quem nunca? Eu achei que nunca o faria, mas, no auge dos meus 31, me rendi e fechei a porta. E que decisão acertada.

Portas fechadas podem ser abertas, claro. Mesmo as que ganham camadas e mais camadas de proteção, cadeados e barricadas. Mas a qual custo? De qual lado? Ficar espiando pelo buraco da fechadura não é saudável. Imaginar contextos pela movimentação da luz sob a fresta da porta é um convite ao abismo. Encostar o ouvido na matéria e maldizer a própria respiração por impedir-nos de ouvir quaisquer ruídos vindos do outro lado é sinal de alerta. Abrir, só por abrir, ou por sonharmos encontrar alguém do outro lado, é perigoso. E dar ouvidos a seres que flertam com os dois lados, dizendo-se amigos, não que não o sejam, traz mais malefícios que remediações. Queremos o arsenal: as marretadas, os explosivos, o kit de ferramentas inteiro. As lágrimas verdadeiras e sentidas. As tentativas com esforço. O tal do esforço presente, audível, tangível. E aí, ponderamos.

Porque é disso que se trata: portas não se abrem apenas com palavras, mas com ações. E, no fundo, é também sobre isso que Austen nos fala. Quando ironizou, logo na abertura de Orgulho e Preconceito, que “um homem solteiro, dono de boa fortuna, deve estar precisando de uma esposa”, ela expôs o mesmo impasse que enfrentamos séculos depois: a distância entre discurso e prática, entre expectativa social e escolha individual.

As mulheres de hoje não precisam mais deles, de homens — elas os querem. Conquistamos independência, voz, carreiras, e buscamos parceiros que nos elevem, que torçam por nós como torcem por seus amigos. Queremos, sim, um Travis — alguém que se orgulhe publicamente de caminhar ao nosso lado — e aprendemos que mudamos o mundo. Já não sentimos o tic tac do relógio social; não bordamos em silêncio na sala de estar e sob olhares julgadores de familiares e vizinhos porque não somos mais um peso para nossos pais, e nosso destino nos pertence. Conhecemos o mundo, nos conectamos com ele. Ainda assim, muitos insistem em olhar para nós através de lentes embaçadas pelo passado. E é justamente aí que reside mais uma porção de ironia.

Muitos homens ainda buscam esposas moldadas em costumes antigos, sem assumir para si as responsabilidades que esses mesmos costumes exigiam. Querem apenas o que lhes é conveniente — e, não raras vezes, ensaiam até uma inversão de cortejo. Mas o jogo mudou. As mulheres já não se submetem ao desdém; sabem o que merecem — e sabem também que o tempo já não é fator determinante, nem monstro aterrorizante. Ao exigirem mais, não se acomodam: usam o tempo para se transformar, crescer e experimentar. E, nesse processo, acabam por atrair parceiros à altura — homens capazes de compreender que vulnerabilidade não diminui a masculinidade, e que honestidade é a maior prova de amor.

Afinal, há uma máxima que antecede Jane Austen e atravessa o tempo: o que é nosso, no tempo certo, virá.

Jane Austen acendeu essa faísca. Ao final deste Agosto, Taylor Swift soprou vento novo sobre ela, transformando-a em chama que ilumina e aquece uma geração inteira. E seguimos em frente — livres, ousadas e conscientes de que não aceitamos menos do que merecemos.

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Se este texto te provocou, cumpri meu papel. É isso que a Arte faz, afinal. Então te convido a escutar a história de Elizabeth e Darcy em audiolivro (vale exaltar o trabalho da nossa incrível equipe de produção, tá?!) e, se você gostar de uma boa fofoca, tem-se aqui algo fresquinho em eBook. Ambos os títulos estão inclusos na nossa Assinatura Ilimitada. 

Beatriz Iara Schoueri

Designer gráfica que virou pesquisadora de UX, storyteller de coração e marketeira por paixão. Entre um filme, um mangá e um bom livro, também arrisco umas histórias próprias. Sou muitas em uma — e adoro me reinventar.

Este post tem 12 comentários

  1. k

    Nunca tinha pensado em como Elizabeth é revolucionária para qualquer época, nas leituras percebemos, mas olhando hoje, comparar com os relacionamentos modernos faz total sentido. Já coloquei o audiolivro na minha lista! Precisamos de mais Jane Austen em audiolivro rsss

  2. Anna Carolina

    Genial a ligação de Jane Austen e Taylor Swift! Amei a leitura, austen realmente abriu as portas para personagem femininas fortes e até hoje nos faz repensar antes de aceitarmos pouco haha

  3. kristina

    Concordo totalmente! Hoje, palavras bonitas não bastam. Elizabeth precisaria ver ações concretas e consistentes para confiar e se abrir de novo, como nós mulheres nos dias de hoje. É sobre respeito e presença, não só romantismo poético.
    ps: o audiol tá muito legal!

  4. Keren

    Ler esse artigo ouvindo Blank Space, pq já devorei o audiolivro hehe. Amei o texto <3

  5. Ero Córdova

    Texto inspirador! Adorei a forma como Austen e Swift se encontram nessa reflexão tão atual sobre amor, orgulho e escolhas.

  6. Luana Batista

    Que reflexão incrível! A metáfora da porta me fez pensar muito sobre como, no fim, palavras só têm peso quando vêm acompanhadas de atitudes. E como você trouxe Austen para o diálogo atual ficou perfeito a gente percebe que algumas lutas são atemporais, mas que hoje temos a liberdade de escolher e não apenas aceitar o que nos impõem. Texto que provoca e inspira!

  7. Regiane

    A comparação entre Elizabeth Bennet, Darcy e as relações modernas é brilhante — mostra como a literatura de Austen continua atual, principalmente ao discutir orgulho, preconceito, escolhas e o valor das ações acima das palavras. Adorei também a ponte com Taylor Swift e sua nova era, reforçando que, assim como as personagens de Austen, as mulheres de hoje seguem rompendo padrões e exigindo mais autenticidade nas relações. Um convite poderoso para refletirmos sobre amor, independência e sobre o que realmente queremos (e merecemos).

  8. Magali

    A mulher passou a ser um grande agente transformador. Ao nos conhecermos melhor e nos tornarmos mais fortes, passamos a não aceitar aqui que não nos cabe. Quando diz que atraem parceiros à altura é verdade. Porém se o mesmo não estiver à altura mas você ver que ele tem potencial para chegar lá e ele estiver realmente disposto a crescer para estar ao seu lado, esse sim tem um grande valor. Mulheres fortes assustam homens fracos, mas são capazes de fazer os corajosos caminharem com elas.

  9. Bárbara

    Ficou muito bom! Um texto envolvente, reflexivo e cheio de conexões interessantes. Gostei demais da leitura!

  10. Raissa Thayla

    Que leitura boaa! O texto costura Austen e Swift de uma forma que ilumina tanto o passado quanto o presente, e nos mostra como a literatura pode dialogar com a cultura pop e com a vida contemporânea.

  11. Bruno

    Eu amei a analogia como um todo, elevando a perspectiva do ontem com o hoje, sensacional, fora que, trouxe ótimas referencias do que foi e do que temos na atualidade.

  12. Paulo

    Um texto bem escrito, com clareza de pensamento trazendo a reflexão da ficção de um contexto passado como inspiração a realidade vivida. Cumpre o papel de instigar a leitura da obra. Parabéns.

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