Mais de 50 livros publicados. Prêmios como Olavo Bilac, Machado de Assis, Tradução de Obras Teatrais, Jabuti de Tradução de Obra Literária, Jabuti de Poesia, Grau de Oficial da Ordem do Mérito do Chile e o título de Doutora Honoris Causa na Índia. Escritora, tradutora, ensaísta, jornalista e educadora, é considerada a primeira voz feminina de grande alcance na literatura brasileira, até hoje única em relação a tudo o que permeia sua poética.
Estamos falando de Cecília Meireles, nascida em 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro. Uma pessoa inquieta, em eterna busca pela essência da vida. Segundo estudiosos, ela foi a primeira voz expressiva da literatura brasileira. Uma poeta que não se restringiu apenas aos versos, aventurando-se também no conto, na crônica, na literatura infantil e na escrita sobre folclore.
Melancolia, amor e tristeza, temas recorrentes em sua obra, não traduzem completamente suas ideias e sua escrita. Em Cecília Meireles, encontra-se um profundo conhecimento em pesquisas sobre raízes africanas e hindus, além de uma vasta reflexão sobre religião, artes plásticas e educação infantil. Cecília é um oceano de assuntos, impossível de ser limitado a alguns poucos tópicos.
Órfã de pai antes mesmo de nascer, perdeu a mãe antes dos três anos de idade, sendo criada pela avó materna, natural da Ilha dos Açores. Foi dela que herdou o interesse pela cultura portuguesa, indiana e por todo o Oriente. Segundo a própria Cecília, essas perdas deram-lhe uma certa intimidade com a morte, e, por isso, desde pequena, levou a refletir sobre as relações entre o Efémero e o Eterno — marcas importantes de sua escrita.
O dia
Morro do que há no mundo:
do que vi, do que ouvi.
Morro do que vivi.
Morro comigo, apenas:
com lembranças amadas,
porém desesperadas.
Morro cheia de assombro
por não sentir em mim
nem princípio nem fim.
Morro: e a circunferência
fica, em redor, fechada.
Dentro sou tudo e nada.
Formou-se professora, um marco significativo em sua vida, pois sempre acreditou na democratização do ensino. Trabalhou no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, entre 1930 e 1933, escrevendo diariamente sobre educação. Atuou também na criação da primeira biblioteca infantil do país, em 1934, no Centro Cultural Infantil do Pavilhão Mourisco, no bairro carioca de Botafogo. Além disso, lecionou Literatura Luso-brasileira e Técnica e Crítica Literária na Universidade do Distrito Federal (RJ) até 1938. Seu comprometimento com a literatura ultrapassou fronteiras, sendo convidada a lecionar Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Aos 18 anos, publicou ”Espectros”, seu primeiro livro de poemas. Nessa época, esteve ligada à revista ”Festa”, formada por um grupo de escritores como Andrade Muricy, Adelino Magalhães, Tasso da Silveira e Murillo Araújo, que integravam uma corrente carioca do Modernismo brasileiro, também conhecida como “espiritualista”.
Nos anos 20 se aproximou do Modernismo Português, quando casou com o artista plástico Fernando Correia Dias – luso-brasileiro responsável por introduzir uma nova visão no Modernismo Português. Com o falecimento precoce de Correia Dias, em 1935, Cecília casou-se novamente, em 1940, com Heitor Vinícius da Silveira Grilo, professor e engenheiro agrônomo.
Foi no início dos anos 1920 que publicou os livros “Nunca mais…“, “Poema dos Poemas“ (1923) e “Baladas para El-Rei“ (1925). Na mesma época, escreveu os poemas do livro “Cânticos“, que só seria publicado em 1981. Em 1938, publicou “Viagem“ – lançado, um ano depois, em Portugal. Com ele ganhou o prêmio de poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (ABL). Logo em seguida, outros livros de poesia consagraram, em definitivo, a carreira de Cecília como escritora, sendo os mais destacados: “Vaga música“ (1942), “Mar absoluto e outros poemas“ (1945), “Retrato natural“ (1947), “Amor em Leonoreta“ (1951), “Doze noturnos da Holanda“ e “O aeronauta“ (1952), “Romanceiro da Inconfidência“_(1953), “Canções“ (1956), “Metal rosicler“ (1960), “Poemas escritos na Índia“ (1962) e “Solombra“ (1963).
Em 1964, Cecília Meireles inaugurou uma nova fase na literatura infantil brasileira ao lançar uma coletânea de poemas para crianças, chamada de “Ou Isto Ou Aquilo“, consolidando sua importância na educação infantil e na literatura., até hoje. Quem não lembra dos seus poemas na voz do Gato Pintado no extinto programa Castelo Rá-Tim-Bum?
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Além da literatura, Cecília amava viajar! Especialmente para os dois países que a encantaram desde pequenina: Portugal e Índia. O livro ”Poemas escritos na Índia” é fruto de uma viagem que fez ao país em 1953, onde retrata a simplicidade do povo indiano e sua comunhão com a natureza.
A obra de Cecília é geralmente situada na segunda fase do Modernismo, mas ela mesma nunca se classificou. Sua linguagem, rica explora símbolos e imagens, difere do coloquialismo celebrado por seus contemporâneos. Cecília preferia utilizar as palavras à maneira da tradição lírica do passado — uma linguagem mais refinada, repleta de sonoridade, com uma percepção sinestésica do mundo, revelando mais pelas imagens do que descrevendo. Nesse sentido, ela se aproxima dos poetas simbolistas que admirava.
Explorando temas como a efemeridade do tempo, a transitoriedade da vida, a natureza, o ato da criação poética, a melancolia, a dor existencial e as noções de perda amorosa e solidão, Cecília Meireles foi, antes de qualquer corrente, uma poeta.
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Carlos Galego é assessor de comunicação da Tocalivros, com larga experiência no mercado cultural e de entretenimento.
É autor de dois livros e escolhido entre os 20 principais poetas nacionais em 2021 pelo Poetize.
Editor de trabalhos como Ruídos Urbanos (de Ricardo Martins), Poesia de Mim (de Vanessa Lima), Vou Ali e já volto! (de Gerson Danelon) e Frases da vida (de Alma Impressa).
Se dedica também a artes visuais, e ministra aulas e cursos de comunicação para setor privado, e oficinas de comunicação cultural em Secretarias de Cultura municipais