Jorge Amado: o poeta das almas e ruas do Brasil

Jorge Amado: o poeta das almas e ruas do Brasil

Jorge Amado é, sem dúvida, um dos mais renomados escritores brasileiros, cujo legado literário transcende gerações e fronteiras. Nascido em 10 de agosto de 1912, em Itabuna, no sul da Bahia, o escritor cresceu em meio ao cacau e às complexas relações sociais e culturais de sua terra natal. 

Sua literatura é marcada por personagens vibrantes, cenários tropicais e uma profundidade social que reflete a complexidade da sociedade brasileira.

A representação do povo brasileiro na literatura de Jorge Amado

Em suas obras, o ex-ocupante da cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras, constrói um retrato vívido e multifacetado do Brasil. Ele apresenta um país de contrastes, onde a beleza natural convive com a pobreza, e a alegria do carnaval contrasta com as injustiças sociais. Seus personagens são, em grande parte, pessoas comuns, muitas vezes marginalizadas, cujas vidas são marcadas pela luta diária pela sobrevivência. São pescadores, prostitutas, trabalhadores rurais, donos de pequenos negócios e outros que, embora ocupem posições subalternas na sociedade, são dotados de uma enorme riqueza humana e cultural.

“Gabriela, Cravo e Canela” é um exemplo notável dessa representação. Ambientado na cidade fictícia de Ilhéus, na Bahia, o romance conta a história de Gabriela, uma retirante que, com sua simplicidade e sensualidade, transforma a vida de todos ao seu redor. Gabriela simboliza a força e a resiliência do povo brasileiro, ao mesmo tempo em que sua história aborda temas como a mudança social e a resistência às tradições arcaicas.

Outro exemplo marcante é “Capitães da Areia”, que narra a vida de um grupo de meninos de rua em Salvador. Através das aventuras dos Capitães da Areia, Amado expõe as desigualdades sociais e a falta de oportunidades para os jovens pobres. Ele humaniza esses meninos, mostrando suas aspirações, medos e solidariedade, desafiando a visão estereotipada e criminalizadora que muitas vezes é imposta a eles.

Em “Tenda dos Milagres”, Amado celebra a cultura afro-brasileira e critica o racismo. O protagonista, Pedro Archanjo, é um mestiço que se torna um intelectual autodidata e defensor da igualdade racial. A obra destaca a importância das tradições africanas na formação da identidade brasileira e denuncia as injustiças sofridas pelos negros.

Além de suas narrativas envolventes, a linguagem utilizada por Jorge Amado é um elemento crucial na representação do povo brasileiro. Ele emprega um vocabulário rico em regionalismos, expressões populares e um estilo oral que aproxima o leitor da realidade vivida pelos seus personagens. Essa autenticidade linguística confere uma dimensão ainda mais profunda e verdadeira às suas histórias.

A obra de Jorge Amado é um tributo ao povo brasileiro. Ele não apenas dá voz aos esquecidos e marginalizados, mas também celebra a diversidade cultural, a alegria de viver e a capacidade de resistência de sua gente. 

Seus romances continuam a ser uma leitura essencial para compreender o Brasil e a complexidade de sua sociedade. Ao longo de sua carreira, Amado mostrou que, apesar das adversidades, o povo brasileiro possui uma imensa força e beleza, que merecem ser celebradas e reconhecidas.

Outras obras de Jorge Amado para você ler

Dona Flor e Seus Dois Maridos

Um dos romances mais populares de Jorge Amado, levado com êxito ao cinema, ao teatro e à televisão, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” conta a história de Florípedes Paiva, que conhece em seus dois casamentos a dupla face do amor: com o boêmio Vadinho, Flor vive a paixão avassaladora, o erotismo febril, o ciúme que corrói. Com o farmacêutico Teodoro, com quem se casa depois da morte do primeiro marido, encontra a paz doméstica, a segurança material, o amor metódico.

Um dia, porém, Vadinho retorna sob a forma de um fantasma capaz de proporcionar de novo à protagonista o êxtase dos embates eróticos. Por obra da fantasia literária de Jorge Amado e da intervenção das entidades do candomblé, Flor consegue conciliar no amor o fogo e a calmaria, a aventura e a segurança, a paixão e a gentileza.

Lançada em 1966, esta narrativa ousada e exuberante, plena de humor e ironia, é uma saborosa crônica de costumes da Bahia da primeira metade do século XX e um retrato inventivo das ambiguidades que marcam o Brasil.

Suor

Um casarão do Pelourinho transformado em cortiço, com suas dezenas de moradores pobres e marginalizados, é o ambiente de Suor, publicado em 1934, quando Jorge Amado tinha 22 anos. De modo cru, mas com sua característica prosa envolvente e calorosa – sempre atenta à musicalidade da fala popular -, Jorge narra um cotidiano de miséria, falta de higiene e ausência de perspectivas. 

Nos quartos precários do cortiço, homens e mulheres convivem com ratos e baratas e dão vazão às pulsões mais básicas. Os diversos personagens ganham em algum momento o primeiro plano do relato. Há o mascate judeu que percorreu o mundo e fala oito línguas, o homem sem braços que faz propaganda de lojas, a velha prostituta que não consegue mais arranjar freguês, o operário anarquista que vive com um gato, a costureira que sonha com um casamento para a afilhada virgem, entre outras figuras sofridas. 

Jorge Amado cria ao mesmo tempo um painel social e um estudo sutil dos sentimentos humanos que florescem nas situações mais adversas. Apesar da dureza do dia a dia, o humor e a solidariedade encontram frestas para se manifestar, e uma crescente consciência política se espalha entre alguns moradores do cortiço.

A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua

Escrita em 1959, esta pequena obra-prima de concisão narrativa e poética é tida por muitos como uma das mais extraordinárias novelas da nossa língua. Numa prosa inebriante, que tangencia o fantástico sem perder o olhar aguçado para as particularidades da sociedade baiana, Jorge Amado narra a história das várias mortes de Joaquim Soares da Cunha, vulgo Quincas Berro Dágua, cidadão exemplar que a certa altura da vida decide abandonar a família e a reputação ilibada para juntar-se à malandragem da cidade. 

Algum tempo depois, Quincas é encontrado sem vida em seu quarto imundo. Sua envergonhada família tenta restituir-lhe a compostura, vesti-lo e enterrá-lo com decência; mas, no velório, os amigos de copo e farra dão-lhe cachaça, despem-no dos trajes formais e fazem-no voltar a ser o bom e velho Quincas Berro Dágua. Levado ao Pelourinho, o finado Quincas joga capoeira, abraça meretrizes, canta, ri e segue a farra em direção à sua segunda e agora apoteótica morte.

 Tieta do Agreste

Fogosa pastora de cabras e namoradora de homens, a adolescente Tieta é surrada pelo pai e expulsa de Santana do Agreste graças à delação de suas aventuras eróticas por parte da irmã mais velha, a pudica e reprimida Perpétua. Um quarto de século depois, rica quarentona, Tieta retorna em triunfo ao vilarejo, no interior da Bahia. 

Com dinheiro e influência política, ajuda a família e traz benefícios à comunidade, entre eles a luz elétrica. Para os parentes e amigos de Agreste, Tieta enriqueceu no sul ao se casar com um industrial e comendador. Mas aos poucos o narrador vai plantando no leitor a dúvida, o descrédito, até revelar a história oculta da protagonista: Tieta se prostituíra e virara cafetina em São Paulo, razão de sua riqueza e de seu trânsito entre os poderosos. Nesse acerto de contas com o passado, ela acaba se envolvendo na acirrada disputa em torno do futuro do lugarejo. 

Publicado em 1977, o romance foi adaptado com sucesso para a televisão e o cinema. A narrativa descontínua, feita de avanços, recuos e mudanças do ponto de vista, atesta a maturidade literária de Jorge Amado e mantém até hoje o impacto e o frescor.

Tocaia Grande

Publicado em 1984, “Tocaia Grande” descreve o processo de formação de uma cidade nordestina, nascida sob o signo da violência e da disputa de terras, em inícios do século XX. Depois de liderar uma tocaia contra o oponente de seu patrão, o jagunço Natário da Fonseca recebe alguns alqueires próximos ao palco da matança, onde passa a cultivar cacau. 

A chegada de comerciantes, prostitutas, tropeiros e ex-escravos ao local dá vida e contornos ao arraial. Personagens fortes, independentes e solitários – como a cafetina Jacinta Coroca; o negro Castor Abduim, conhecido como Tição Aceso, e o comerciante libanês Fadul Abdala -, encontram em Tocaia Grande um refúgio e o conforto da amizade.

Com a prosa leve e bem-humorada de sempre, Jorge Amado relata a união profunda e os laços de afeto que se desenvolvem entre os habitantes de Tocaia Grande, e que serão responsáveis pelo crescimento do povoado e por sua resistência à pressão da Igreja e do poder político-econômico para se enquadrar no sistema coronelista.

Beatriz Gouvêa

Jornalista e Especialista em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais, faz parte da equipe de Marketing da Tocalivros. Ama literatura latino-americana e brasileira, sendo entusiasta de tudo que envolve nossa região.

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