A “escrevivência” de Conceição Evaristo revelada no audiolivro Olhos D’Água

A “escrevivência” de Conceição Evaristo revelada no audiolivro Olhos D’Água

“De que cor eram os olhos de minha mãe?” é a frase cerne que envolve o primeiro conto do audiolivro da grandiosa escritora Conceição Evaristo, produzido pela Tocalivros em 2022, cujo nome se confunde com toda a obra: Olhos d’água. Já num fluido regresso ao passado da personagem principal, a narrativa da mãe negra que guerreia pelo sustento de seus filhos inicia as inúmeras provações da condição da comunidade afro-brasileira, principalmente da mulher negra banalizada pela sociedade em questão, “em um ambiente em que pobreza e violência sustentam a exclusão social”, como nota Mirian Cristina dos Santos, em seu livro Intelectuais negras: prosa negro-brasileira contemporânea, publicado pela Editora Malê.

Não é de se espantar que Conceição Evaristo tenha abordado tal tema com tamanha maestria e profundidade. Efeito que se amplia graças à narração límpida e forte de Ludmila Lis, formada em Letras com ênfase em Literatura Brasileira e Mestre em Relações Étnico-Raciais pela CEFET-RJ. A mesma trabalha atualmente na assessoria da autora e em leitura e interpretação de audiolivros, com experiência teatral de Direção e Interpretação, conhecimentos que impactam diretamente na qualidade e dramaticidade dilacerante dos contos. A narradora consegue interpretar cada ponto e vírgula do livro primeiramente físico.

Os 15 contos da escritora e professora criada no Rio de Janeiro, de família humilde, parecem assimilar parte de sua vivência não só como mulher negra propriamente dita, mas primeiramente como filha de uma, que, assim como a menina de Olhos d’água, testemunhava os olhos inundados de sua mãe, escondendo assim sua cor. Caberia aqui uma aproximação ao depoimento da autora no 1º Colóquio de Escritoras Mineiras (disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo), em 2009, ao se referir ao sentimento “misto de desespero, culpa e impotência [que] me assaltava quando eu percebia os sofrimentos dela. Minha mãe chorava muito, hoje não”. Afinal, sua escrita baseia-se no que a própria Evaristo definiu como “escrevivência” (aglutinação de “escrever” mais “vivência”), “um depoimento em que as imagens se confundem, um eu-agora a puxar um eu-menina pelas ruas de Belo Horizonte. E como a escrita e o viver se con(fundem), sigo eu nessa escrevivência a lembrar de algo que escrevi recentemente”.

Consequentemente, ao mesmo tempo em que as experiências mais hostis ao ser humano são inteligíveis à obra, indo além da desigualdade racial e de gênero, o audiolivro de Conceição Evaristo não deixa de considerar a sensibilidade humana; o inocente sonho de Duzu ao preparar sua fantasia de carnaval a partir do lixo das ruas, o envelhecimento que não impede Luamanda de amar, a inocência da menina Zaíta e, por último, mas não menos importante, a alegria de Ayoluwa e a esperança de Bamidele que acabam por conversar não só com as personagens do conto, mas também com o audioleitor, insinuando a fé e superação na luta cotidiana: “quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando a solução”.

Ficha Técnica:

Autor: Conceição Evaristo

Narrador: Ludmila Lis

Editora: Pallas

Por Isabella Santos

Isabella Santos

Isabella Santos é graduanda de Letras português-francês na Universidade de São Paulo (USP), com foco em Tradução e Literatura Portuguesa. Dedica seu tempo a leitura de diversos gêneros literários, de mangás a clássicos nacionais e internacionais, destacando autoras como Clarice Lispector e Virgínia Woolf, como também faz parte da equipe de pré-produção da Tocalivros.

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